Dissertação reflete sobre opressão e silenciamento no processo de “saída do armário”

Terceiro mestre em Comunicação do PPGCOM, Pedro Augusto, defendeu pesquisa nesta quarta-feira (20.07).

O mestrando Pedro Augusto foi o terceiro estudante do PPGCOM a defender dissertação. Fotografia: André Macedo.

O Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Poder da Universidade Federal de Mato Grosso (PPGCOM/UFMT) realizou, nesta quarta-feira (20.07) a terceira defesa de dissertação de sua história. Com a pesquisa intitulada “Vamos pertencer e nos encontrar juntos: narrativas compartilhadas, afetos e subjetivação no Projeto Guardei no Armário”, Pedro Augusto Elias Cardoso Pereira tornou-se o terceiro mestre em Comunicação formado no estado de Mato Grosso. As primeiras mestres foram Maria Clara Cabral e Elisa Calvete, cujas entrevistas você confere aqui e aqui

O trabalho, orientado pela professora Tamires Ferreira Coêlho, discute o processo de “saída do armário” de homens homossexuais, negros e com vivências periféricas, a partir de testemunhos autobiográficos publicados pelo Projeto Guardei no Armário. O pesquisador volta seu olhar para refletir sobre como esse momento é perpassado, por exemplo, por fluxos interseccionais de opressão e silenciamento. 

Nesta entrevista, realizada pelo Projeto de Extensão Tornar Comum, Pedro Augusto conta ainda como acredita que o trabalho realizado ao longo dos últimos dois anos, contribui para o alargamento da compreensão das relações existentes entre Comunicação e Poder. “Eu vejo que a minha pesquisa já ajuda, junto com outras, a demarcar logo no primeiro grupo de trabalhos concluídos que falar de comunicação e poder não se limita a reflexões sobre instituições políticas onde o poder e seus atravessamentos ficam mais óbvios”, destaca. 

Confira a entrevista completa a seguir e a participação do novo mestre no podcast Conversa de Pesquisa. 

 

Tornar Comum: Conte-nos um pouco sobre a sua pesquisa. Como você resumiria a dissertação que escreveu no PPGCOM?

Pedro Augusto: A minha pesquisa é uma abordagem interseccional sobre a saída do armário a partir dos testemunhos autobiográficos do Projeto Guardei no Armário. Eu tenho como referência mais específica o livro Guardei no Armário escrito pelo Samuel Gomes, que é o autor do projeto, junto de quatro testemunhos gravados em vídeo e publicados no canal do YouTube do Samuel, que também tem o nome de Guardei no Armário. É a partir do olhar para esses testemunhos sobre a tal saída do armário que, na pesquisa, eu passo a tratar isso que a gente costuma chamar de “sair do armário” não simplesmente como um anúncio ou como um segredo revelado. 

O Guardei no Armário mostra isso (saída do armário) como um processo de subjetivação complexo e de resistência política também diante as opressões heterossexistas e de outros fluxos interseccionais de opressão e silenciamento. Por exemplo, todos os quatro testemunhos, e o livro também – e é importante destacar que são todos testemunhos de gays negros e com vivências periféricas, sejam de periferias urbanas ou de regiões periféricas do Brasil, fora do eixo sudeste-sul – deixam claro que as vivências gays/bichas são inseparáveis de marcadores de raça, gênero, religião e contexto familiar por exemplo, elas se afetam mutuamente.

Tornar Comum: Você faz parte da primeira turma do PPGCOM, que iniciou suas atividades durante uma crise sanitária global como a da COVID-19. Quais desafios para a realização do mestrado você identificou neste período?

Pedro Augusto: Já começou a afetar as atividades ainda no processo seletivo. A entrevista final precisou ser adaptada a um formato remoto e houve um hiato de alguns meses também, porque o processo seletivo foi paralisado nos primeiros meses da pandemia em 2020 e só foi retomado no segundo semestre do ano. Já no processo do curso mesmo eu tenho que dizer que foi bastante complicado. O processo de pesquisar já é um tanto solitário em si mesmo, e fazendo tudo de dentro de casa, por meio de telas, seja nas aulas nos eventos acadêmicos mesmo foi e tem sido ainda bastante complicado.

(…) quando a gente fala de saída do armário, de autodefinição de sujeitos gays, bichas, LGBTI+ não é simplesmente sobre identidade e reconhecimento ou representação simbólica. É também, mas é sobre luta política.

Pedro Augusto Terceiro mestrando do PPGCOM a defender dissertação.

Eu ainda tive a sorte, por assim dizer, de já conhecer minha orientadora, de já ter uma relação com ela da graduação, inclusive como orientadora da minha monografia, pois imagino que seria bem mais complicada a relação inclusive se ela tivesse que ser construída toda à distância. Acho importante deixar claro que não foi fácil, nos mais diversos aspectos, até porque a pandemia não acabou e os impactos dela ainda devem ser sentidos por muito tempo, mesmo com o início dessa retomada das atividades presenciais.

Tornar Comum: Toda pesquisa exige o diálogo com autoras e autores que inspiram a pesquisadora/o na construção da base teórica de seu estudo, além da definição de métodos específicos para as análises. Fale-nos um pouco das vozes teóricas que inspiraram o seu trabalho e de como conduziu as análises empíricas do estudo

Pedro Augusto: As principais vozes que eu busco acionar são as de práxis interseccional, como Patricia Hill Collins, bell hooks, Sueli Carneiro, Grada Kilomba… Como a interseccionalidade é trazida como práxis, ela se desenha ao mesmo tempo como teoria crítica e como ferramenta metodológica, inclusive buscando transformação e justiça social como cerne dessa práxis. É a partir dessa abordagem interseccional também que eu busco diálogo com propostas metodológicas do Jacques Rancière, um pesquisador francês, que propõe um percurso metodológico que seja pautado numa igualdade entre as inteligências, contra as hierarquias. 

Nessa proposta de rompimento com as hierarquias, com a linearidade absoluta, com verticalizações e com um pensamento binário, realmente é que minha pesquisa aproxima essas duas abordagens teóricas e metodológicas. E, considerando essa igualdade de inteligências e enfrentamento das hierarquias, eu não me coloco como um pesquisador que busque explicar o fenômeno, mas que busque compreender de fato, porque a explicação é hierárquica. As análises foram construídas dessa forma.

Além disso eu considero os testemunhos que são acionados nas análises, e o Projeto Guardei no Armário como um todo, também como referência, como vozes que trazem intelectualidades que também constroem e fundamentam a pesquisa e que são colocadas em diálogo com as autoras e os autores que são também referenciados e citados, e eu cito todo mundo igualmente, inclusive seguindo as mesmas normas da ABNT para citações diretas e indiretas, curtas e longas.

Tornar Comum: Sabemos que uma pesquisa é sempre complexa, envolvendo, às vezes, muitos resultados a partir de reflexões e análises. Mas, no seu estudo, o que você destacaria com o achado principal? 

Pedro Augusto: O achado principal eu diria que é essa percepção do projeto da saída do armário como processo, e um processo que é individual e subjetivo, mas que também é coletivo, é atravessado por relações e afetos e é também luta política. O Guardei no Armário traz esse próprio “armário gay”, a construção dele, de forma mais ou menos explícita, justamente como uma construção social violenta de controle dos corpos e das subjetividades para manter uma norma, um padrão. E é uma questão complexa e deve ser tratada de forma complexa, indo para além só da compreensão de “saída do armário” como um anúncio pontual, ou mesmo um conjunto amplo de anúncios. 

Não é excluir ou desconsiderar o anúncio, o dizer abertamente “sou gay”, ou “sou lésbica”, ou “sou bi”, enfim, mas é uma compreensão de que se trata de um processo longo, intersubjetivo e de luta política também, porque a violência do heterossexismo é uma violência política, não é algo puramente individual. Ao longo da pesquisa a saída do armário também foi aproximada do processo de descolonização de que fala Grada Kilomba, ainda que o foco dela seja em relação ao racismo cotidiano, mas foram várias as aproximações possíveis entre essas formas de opressão e violência, que são diferentes, mas são interseccionadas, e além de tudo operam dentro de um mesmo sistema, de uma mesma matriz de dominação, como diz a Patricia Hill Collins.

Tornar Comum: O PPGCOM possui uma área de concentração que se propõe a analisar as relações entre a comunicação e o poder em suas múltiplas vertentes. Como você entende que a sua pesquisa contribui com a área de concentração do Programa?

Pedro Augusto: Eu vejo que a minha pesquisa já ajuda, junto com outras, a demarcar logo no primeiro grupo de trabalhos concluídos que falar de comunicação e poder não se limita a reflexões sobre instituições políticas onde o poder e seus atravessamentos ficam mais óbvios. Como eu destaquei anteriormente, quando a gente fala de saída do armário, de autodefinição de sujeitos gays, bichas, LGBTI+ não é simplesmente sobre identidade e reconhecimento ou representação simbólica. É também, mas é sobre luta política. As abordagens que eu trago para a minha pesquisa ensinam que o pessoal também é político e que trabalhar e conservar nossas subjetividades, empreender processos de subjetivação pautados na liberdade – e liberdade aqui compreendida no viés interseccional, com foco em justiça social – tem papel político, especialmente para que a gente possa, em comunidade, pensar e propor outros modos de vida, outras possibilidades de mundo.

Tornar Comum: Você faz parte do grupo dos primeiros mestres em Comunicação da UFMT. Que significado isso tem para você e o que você diria a quem pretende fazer pesquisa em Comunicação a partir do PPGCOM?

Pedro Augusto: Significa um passo a mais num caminho que eu escolhi ainda no terceiro período da graduação, ainda que com as limitações de ter feito tudo de forma remota, e não foram poucas. Significou também um amadurecimento de pensamentos e abordagens de pesquisa que eu já tinha começado a trilhar na graduação, porque a minha dissertação é um desdobramento já do trabalho de conclusão de curso da graduação, foi uma continuidade de alguma forma.

Para quem pretende fazer pesquisa no PPGCOM acho que eu diria que se atente sempre à responsabilidade e compromisso na pesquisa. O mestrado possibilita muitas coisas, mas também é um processo bastante exigente. Para quem olha de fora pode até parecer que dois anos é um tempo longo, inclusive, mas a verdade é que um tempo bastante curto. Ter responsabilidade engloba tanto atender às exigências de se estar num programa de pós-graduação – isso traz compromissos com o coletivo do PPG, inclusive – quanto a responsabilidade no próprio processo de pesquisa e em como se trilha esse caminho.

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