Segunda mestre em Comunicação do PPGCOM, Elisa Calvete, defendeu pesquisa nesta terça-feira (19.07).

Aconteceu nesta terça-feira (19.07) a segunda defesa de dissertação desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Poder da Universidade Federal de Mato Grosso (PPGCOM/UFMT). Após Maria Clara Cabral, Elisa Calvete Ulema Ribeiro tornou-se a mais nova mestre em Comunicação do estado de Mato Grosso, sob a orientação da professora Letícia Xavier de Lemos Capanema.
Com a pesquisa intitulada “‘I WON’T BE SILENCED’: transcriações da Princesa Jasmine em ‘Aladdin’”, Calvete analisou as mudanças existentes entre as versões de 1992 e 2019 da personagem Jasmine nos filmes da Disney, bem como se dá a repetição de estereótipos e discursos orientalistas dentro de produções da cultura pop. “A pesquisa discute quais foram as mudanças nessas duas personagens, já que existe um espaço considerável entre uma e outra. São 27 anos entre o lançamento de um filme de outro”, destaca a pesquisadora em entrevista realizada pelo Projeto de Extensão Tornar Comum.
Ainda são tema da entrevista os desafios encontrados no percurso do mestrado realizado durante a pandemia de covid-19, as vozes teóricas que inspiraram o trabalho, achados surpreendentes do estudo e sobre o sentimento de integrar a primeira turma de formandos do PPGCOM. “Eu sinto muito orgulho de fazer parte dessa história, porque não é fácil. E fico muito feliz de ver Mato Grosso com um programa de pós-graduação em comunicação, em podermos formar mestres nesta área”.
Confira a entrevista completa a seguir e ainda a participação da nova mestre no podcast Conversa de Pesquisa.
Tornar Comum: Conte-nos um pouco sobre a sua pesquisa. Como você resumiria a dissertação escreveu no PPGCOM?
Elisa Calvete: O título da minha dissertação é ‘I Wonn’t Be Silenced: Transcriações Da Princesa Jasmine em Aladdin’. Trata-se de uma pesquisa comparativa entre as duas personagens Jasmine. A primeira, que é de 1992, no clássico animado Walt Disney e a segunda, de 2019 no live action, também da Walt Disney. A pesquisa discute quais foram as mudanças nessas duas personagens, já que existe um espaço considerável entre uma e outra. São 27 anos entre o lançamento de um filme de outro. Então, são sociedades diferentes. Nós sabemos que a arte, o cinema, carregam consigo discursos contemporâneos, pertencentes à sociedade à qual ele foi produzido. Então, nós percebemos nessas duas Jasmine alguns discursos de uma sociedade branca ocidental estadunidense. A minha discussão é justamente essa, a maneira como nós vemos estereótipos e discursos orientalistas na personagem e discutir como em uma cultura pop, ela pode ajudar a endossar ou até mesmo romper os estereótipos dentro da nossa sociedade.
Tornar Comum: Você faz parte da primeira turma do PPGCOM, que iniciou suas atividades durante uma crise sanitária global como a da COVID-19. Que desafios para a realização do mestrado você identificou neste período?
Elisa Calvete: Eu acho que qualquer coisa que nós fizemos durante o isolamento na pandemia foi bem desafiador. Fazer um mestrado já é um desafio que exige muito. Eu sempre digo que não é um bicho de sete cabeças, mas é algo que exige bastante dedicação, investimento de tempo e investimento de estudo. Nós começamos a nossa turma quando estávamos no início da pandemia, sem saber o que ia acontecer, não existia previsão de vacinas, e só lá no finalzinho do ano que começamos a ter vacinas aprovadas.
O PPGCOM vai trazer um crescimento muito grande para a parte científica da comunicação no estado. Então, fazer parte disso é gratificante para mim, só tenho a agradecer, a minha palavra é gratidão, não tem outra.
Fazer um mestrado nesse período, no meio de uma crise que estava todo mundo assustado, com medo, sem saber o que ia acontecer e até quando iria o isolamento. Trouxe-me um pouco de esperança, sabe, porque ainda estava investindo em um futuro que eu acreditava ser melhor. Mas confesso que nós sentimos falta, sim, fomos criados, acostumados com os estudos presenciais, com aulas presenciais e ter isso cortado de repente sem aquelas conversas de corredor sem os cafezinhos, na hora do intervalo, sem poder debater sobre o assunto pessoalmente, isso foi um pouco estranho.
Tem colegas meus que eu acho que eu os vi só no dia da prova escrita presencial e nunca mais os vi e isso foi algo diferente. Ao mesmo tempo que construímos um vínculo, porque estavam todos no mesmo barco. Nunca imaginei que faria um mestrado desta maneira na pandeia.
Tornar Comum: Toda pesquisa exige o diálogo com autoras e autores que inspiram a pesquisadora/o na construção da base teórica de seu estudo, além da definição de métodos específicos para as análises. Fale-nos um pouco das vozes teóricas que inspiraram o seu trabalho e de como conduziu as análises empíricas do estudo.
Elisa Calvete: O principal teórico que me inspirou e começar essa pesquisa se chama Bruno Betelheim, o conheci na minha graduação em letras onde ele trata da psicanálise, dos contos de fadas, me fez entender que era um assunto interessante ser trabalhado porque o imaginário conduziu o ser humano desde a infância, a adolescência e idade adulta. E outro teórico que me inspirou, foi Juremir Machado Silva, que fala justamente sobre o imaginário sendo um pesquisador brasileiro, do Rio Grande do Sul. Para a pesquisa, utilizei alguns teóricos chaves que vão me auxiliando a construir, a explicar conceitos que são essenciais para análise.
Para falar sobre os contos de fadas, contos maravilhosos e, inclusive os contos do fabulário “Mil e Uma Noites” onde está inserido o Aladim, eu usei a Neli Machado Coelho, brasileira, e o Betelheim. Mas também trago referências para a história da animação, sobre a recriação desses contos de fadas na nossa idade contemporânea, com novas mídias. Com novas plataformas midiáticas, para isso eu me apoio em Carolina Lannes Fossati para falar do cinema de animação no geral, e Carolina Chamizo Babo, para trabalhar a recriação dos contos de fadas. Eu também precisava falar sobre o imaginário, porque não tem como falar sobre conto, sobre nada fantasioso, sem falar do imaginário do ser humano.
A partir daí, utilizo Michel Mafessoli, que vai falar sobre a questão de imaginário coletivo. Juremir Machado Silva que aborda as tecnologias, do imaginário que a gente pode colocar a publicidade, o cinema, o audiovisual. Para falar do conceito de transcriação, escolhi Haroldo de Campos, um poeta teórico, que explica esse conceito, falando sobre o que eu aplico na Jasmine. E com base nesse discurso, digo que ela é uma personagem transcriada, não reescrita. Também falo sobre o dialogismo, que é de Mikhail Bakhtin, dentro das histórias de Aladdin, tanto lado do filme de 1992 com 2019, em que existe um diálogo entre as duas obras com fabulário das Mil e Uma Noites.
Robert Stam traz a literatura no cinema e trata essas adaptações literárias do cinema, ele fala também quais são as mudanças que acontecem no decorrer do tempo. Eu também falo sobre a questão da construção do olhar masculino sobre o feminino no cinema. Para isso, eu uso a Laura Mulvey, trazendo a construção do olhar masculino dos filmes no cinema de Hollywood. Outra teórica é Carina Chocano que reflete sobre como Hollywood construiu com o passar dos anos a uma mulher perfeita e como isso deve ser quebrado.
Trago Edward Said, que aborda o conceito de orientalismo, muito importante para a dissertação. Luiza Cassol, Maria Eduarda Dall’Aqua e Sarina Chiuza, além de Lila Abu-Lughod para falar sobre orientalismo de gênero, que é a maneira como o ocidente enxerga a mulher do oriente em geral, em especial a mulher do Oriente Médio e a mulher árabe. E para a metodologia, utilizei Francis Vanoye, Goliot-Lété para falar sobre a análise fílmica. Beth Brait para falar sobre análise de personagem. Ecléa Bosi e Stuart Hall para falar sobre estereótipos.
Tornar Comum: Sabemos que uma pesquisa é sempre complexa, envolvendo, às vezes, muitos resultados a partir de reflexões e análises. Mas, no seu estudo, o que você destacaria como achado principal? E o que mais o surpreendeu no percurso?
Elisa Calvete: Acredito que o achado principal da minha pesquisa é justamente o orientalismo focado no orientalismo de gênero. Porque eu mesmo não esperava encontrar esse conceito. Quando eu escolhi a Jasmine para ser meu objeto de estudo, dessas análises comparativas fílmicas eu não imaginava que eu ia cair um conceito tão grande como o orientalismo, que é justamente esse olhar hegemônico ocidental, vem do oriente, em especial o oriente médio como uma colônia e se vendo como superior. E mais afunilado ainda, um orientalismo de gênero que é justamente você colocar a mulher árabe no papel da mãe, que é submissa, que é subjugada pelas leis, ou uma mulher erótica. A maneira como isso é vendido para que comprássemos uma ideia imperialista, especialmente nos Estados Unidos, brancos ocidentais, somos super-heróis que temos que salvar essas mulheres.
E enxergar isso, perceber que temos essa visão, foi o maior ponto de surpresa para mim, porque temos esses estereótipos por mais que sejamos acadêmicos dentro da universidade e dialoguemos todos os dias sobre desconstruções de imagens estereotipadas, ainda acabamos fazendo isso, então percebi que talvez nós ainda pequemos muito, não só com os povos do oriente médio, mas com vários outros povos, outras culturas que são diferentes da nossa, nos colocando como superiores.
Esse é um ponto principal, e uma coisa interessante é a maneira como a cultura pop endossou essas visões, mesmo não sendo a causa principal e nem a maneira principal de veiculação, mas ela endossa esses estereótipos, e nos leva crer que pode ser uma boa ferramenta para auxiliar na desconstrução de uma imagem preconceituosa que nós temos, essa grande questão da minha pesquisa.
Tornar Comum: O PPGCOM possui uma área de concentração que se propõe a analisar as relações entre a comunicação e o poder em suas múltiplas vertentes. Como você entende que a sua pesquisa contribui com a área de concentração do Programa?
Elisa Calvete: Não vivemos ainda aquela ideia de agulha hipodérmica, que a comunicação, a publicidade ou o cinema, vai entrar de uma maneira que vai alienar à população que assiste ou que tem contato com um produto audiovisual publicitário e vai mudar a cabeça dessa pessoa, não, isso não acontece porque nós sabemos que cada pessoa recebe e interpreta a informação de uma maneira. Porém, a cultura pop pode auxiliar no empoderamento das mulheres, do Oriente Médio, das mulheres de maneira geral, quebrando aquela imagem de uma mulher erótica, de uma mulher que é para ser vista e desejada, que é portadora de significado, mas que não é produtora de significado. Então, quando eu utilizo a comunicação, o cinema, nessa questão de desconstrução, eu estou indo para essa área de concentração, de comunicação e poder. Utilizando a comunicação para auxiliar no empoderamento feminino.
Tornar Comum: Você faz parte do grupo dos primeiros mestres em Comunicação da UFMT. Que significado isso tem para você e o que você diria a quem pretende fazer pesquisa em Comunicação a partir do PPGCOM?
Elisa Calvete: Eu tenho muito orgulho de estar construindo isso, orgulho de ser a primeira turma do PPGCOM, primeira leva de mestres. Foi um processo de muito diferente, dou muito mérito aos meus professores, à minha orientadora, porque eu sei que não foi fácil. Em meio à pandemia, com pessoas morrendo, com as políticas públicas de saúde, parecendo que tudo ia desmoronar, nossos professores estavam dando conta do recado. Aceitando os desafios, seguindo com os processos seletivos.
Eu sinto muito orgulho de fazer parte dessa história, porque não é fácil. E fico muito feliz de ver Mato Grosso com um programa de pós-graduação em comunicação, porque antes ficávamos ali tentando encaixar os nossos estudos, as nossas pesquisas em outros programas, que não deixam de ser válido, pelo contrário, é extremamente válido. Mas saber que nós podemos estudar comunicação social, ser mestre nisso. Nossa, isso é fantástico. O PPGCOM vai trazer um crescimento muito grande para a parte científica da comunicação no estado. Então, fazer parte disso é gratificante para mim, só tenho a agradecer, a minha palavra é gratidão, não tem outra.
Gratidão aos professores, aos colegas que estiveram comigo, uns apoiando os outros, com surtos no WhatsApp. E para quem pretende fazer o PPGCOM: vai! Estuda. Pensa no seu projeto, e se você ainda é aluno aproveita tudo que você tem para aprender da sua graduação e faça porque vamos valorizar a nossa universidade, valorizando aquilo que nos deu diploma. E nós temos uma equipe de profissionais, de docentes maravilhosos no programa. Eu acho que nunca tive uma aula do PPGCOM que eu pudesse dizer “ai eu não aproveitei nada”, muito pelo contrário, sempre foi tudo muito enriquecedor. São professores que realmente ajudam, que querem ensinar, isso é muito importante. Então faça, estude, valorize a nossa universidade porque é gratificante, é maravilhoso. Eu espero ver pesquisas esplendidas saindo da UFMT, no nosso programa de pós-graduação.
Esta entrevista foi realizada pela estudante do curso de graduação em Jornalismo Mayara Correia e editado por Safira Campos, mestranda do PPGCOM. Fotografia: André Macedo.