Abrindo período de defesas, dissertação analisa cobertura jornalística cultural em Cuiabá

Com orientação da professora Tamires Ferreira Coêlho, Maria Clara Cabral defendeu pesquisa nesta segunda-feira (18.07).

A mestranda Maria Clara Cabral será a primeira estudante do PPGCOM a defender dissertação. Fotografia: André Macedo.

O Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Poder da Universidade Federal de Mato Grosso (PPGCOM/UFMT) deu início nesta segunda-feira (18.07) ao período de defesa das dissertações dos primeiros mestres em Comunicação do estado. Quem abriu os trabalhos foi a jornalista Maria Clara de Oliveira Mendes Cabral, com a dissertação “Jornalismo Cultural em Cuiabá: Experiências de cobertura dos 300 anos em veículos digitais”, orientada pela professora Tamires Ferreira Coêlho.

Em entrevista ao Projeto de Extensão Tornar Comum, a mestranda compartilha percepções sobre a vida na pós-graduação e sobre o percurso de sua pesquisa. Nos últimos dois anos, Maria Clara dedicou seus estudos à análise de como se deu a cobertura jornalística realizada por dois veículos de Cuiabá em 2019 sobre os 300 anos da capital de Mato Grosso. Partindo de reflexões de autores latino-americanos, a pesquisadora investiga os desafios e tendências também jornalismo cultural e local, além das relações de poder que permeiam os processos da profissão.

Nesta entrevista, Cabral ainda conta como foi fazer parte da primeira turma de mestrado do PPGCOM em meio ao período pandêmico. “Porque essa experiência de fazer um mestrado nesse período me fez perceber o quanto a pesquisa, por mais que às vezes seja solitária, seja individual, mesmo que com orientação, existe esse diálogo que a gente tem em sala de aula, com colegas, professor e em espaços da universidade”, conta.

Confira a entrevista completa a seguir e ainda a participação da nova mestre no podcast Conversa de Pesquisa. 

Tornar Comum: Conte-nos um pouco sobre a sua pesquisa. Como você resumiria a dissertação escreveu no PPGCOM?

Maria Clara Cabral: A pesquisa é um estudo sobre jornalismo cultural em Cuiabá. A partir de um contexto de capital e de um estado que estão periféricos a uma chamada indústria cultural Brasileira, então essa localização passa a ser bem importante para o estudo.

É uma análise de cobertura jornalística, em que vamos analisar as coberturas culturais dos 300 anos de Cuiabá no ano de 2019. No Olhar Conceito e no Cidadão Cultura, que são 2 veículos que se proponham a fazer jornalismo cultural em Cuiabá, mas de formas nitidamente diferentes. O Olhar Conceito vamos considerar como veículo tradicional, nos moldes do jornalismo local, vendo esse jornalismo tradicional na contemporaneidade, como um jornalismo comercial. E o Cidadão Cultura é um site que pode ser considerado um site independente e alternativo.

Além de analisar significações, vamos buscar observar nessas coberturas construções identitárias sobre Cuiabá. O que seria a cultura cuiabana? Os desafios e tendências também desse jornalismo cultural, local e as relações de poder que permeiam esses processos de profissão a partir da análise de cobertura jornalística. Não só para o conteúdo dessas coberturas, mas também tentar pensar esses processos que estão por trás dessas produções. Analisamos o olhar para a objetividade jornalística no jornalismo cultural, esse processo de seleção, e o que seria essa objetividade jornalística no jornalismo cultural. Como é que o jornalismo cultural local se relaciona com a subjetividade? E como é que é esse processo de seleção de fontes? Para falar sobre os 300 anos nessas coberturas e os processos de territorialidade presentes na cobertura desses acontecimentos.

Dentro dessa questão pode ser importante dizer que esse é um estudo a partir de experiências pessoais e profissionais com esse jornalismo cultural local, de onde trago experiências minhas e que foram compartilhadas comigo ao longo dos anos, relatos sobre esse jornalismo, de profissionais jornalistas.

Tornar Comum: Você faz parte da primeira turma do PPGCOM, que iniciou suas atividades durante uma crise sanitária global como a da COVID-19. Que desafios para a realização do mestrado você identificou neste período?

Maria Clara Cabral: Não só foram muitos desafios de fazer um mestrado na pandemia, como o maior desafio de se fazer um mestrado foi justamente o período de pandemia, sabe? O maior deles. Porque essa experiência de fazer um mestrado nesse período me fez perceber o quanto a pesquisa, por mais que às vezes seja solitária, seja individual, mesmo que com orientação, existe esse diálogo que a gente tem em sala de aula, com colegas, professor e em espaços da universidade. Esses momentos de troca mesmo, sobre as pesquisas.

Ter um programa no estado de pós-graduação oportuniza comunicadores profissionais de todo o estado, pois eu acho que estamos muito carentes de espaço, de reflexões, de questionamentos.

Maria Clara Cabral Primeira mestranda do PPGCOM a defender dissertação.

E por mais que a gente faça isso virtualmente nas disciplinas com os nossos orientadores e orientadoras, tem a falta do contato físico. Essa vivência com a comunidade acadêmica ali, com os colegas, com os professores, com o programa, e isso faz muita falta. Então, o mais difícil foi fazer pesquisas sem falar sobre a pesquisa, sem compartilhar pesquisa, sem tomar um café com o professor e com um colega. Sabe, eu acho que limita um pouco os insights assim, porque querendo ou não, virtual é muito frio, faltou muito essa coisa das relações. Esse foi o momento mais desafiador para mim. E o próprio contexto. São muitos desafios que nos atravessam numa pandemia.

Agora, é claro que mesmo durante a pandemia, mesmo que com atividades remotas o programa oferta, esses espaços dos quais eu senti falta virtualmente, por exemplo, projetos de pesquisa e extensão. Mas como eu tinha começado um mestrado já não tão inserida na universidade, eu demorei um pouco para notar importância desses espaços, e encontrar orientação também, então eu fiquei bem perdida.

Tornar Comum: Toda pesquisa exige o diálogo com autoras e autores que inspiram a pesquisadora/o na construção da base teórica de seu estudo, além da definição de métodos específicos para as análises. Fale-nos um pouco das vozes teóricas que inspiraram o seu trabalho e de como conduziu as análises empíricas do estudo. 

Maria Clara Cabral: Eu queria pesquisar o jornalismo cultural, a partir das minhas experiências aqui, então estava muito aberta a leituras, aos autores e teorias. Eu sempre gostei de ler, me identifico com os estudos. Principalmente reflexões de autoras e autores brasileiros, latino-americanos, porque acredito que dialoga muito com a nossa realidade aqui em Cuiabá, no Brasil, e na América Latina. Essas vozes teóricas que escolhi para o meu trabalho são muito brasileiras mesmo.Tem alguns conceitos e autores que uso para as análises, por exemplo, cultura, o que eu estou trabalhando enquanto cultura no jornalismo?

Eu parto do Néstor García Canclini para pensar uma cultura nos seus processos de hibridação, o popular, o contemporâneo, o massivo, isso faz muito sentido pra Cuiabá, o processo de urbanização da cidade. Trazendo também o jornalismo no contexto das indústrias culturais, em processo de mutação, e uma das autoras escolhidas, é Samara Andrade, a pesquisadora. Trabalhando com um estudo a partir de sua dissertação, onde ela abordar essas mutações no jornalismo, na contemporaneidade, nesse capitalismo contemporâneo.

E partindo da noção de acontecimentos da Vera França, que vai trazer um entendimento bem importante para compreender os 300 anos de Cuiabá no jornalismo, e entender o acontecimento jornalístico, com esse processo de ruptura da normalidade, de reconstrução dos fatos. Escolhi por fazer uso também da classificação de fontes do professor Luãn Chagas, para fazer uma análise da seleção de fontes no jornalismo cultural. Acho importante citar dois autores que me orientaram as reflexões sobre o jornalismo cultural, que foi o Nísio Teixeira, que irá compor a minha banca, e professor José Salvador Faro da UFMG.

Baseando-me nas pesquisas o Nísio sobre o jornalismo cultural no contexto online e do Salvador Faro Nessa coisa dele relativizar esse jornalismo cultural feito só para a indústria. É mais um jornalismo cultural como seu potencial analítico, e reflexivo. Parando para pensar uma discussão sobre objetividade jornalística. E uma outra autora que me inspirou muito, foi Fabiana Morales trazendo um jornalismo de subjetividades, com um outro olhar para a objetividade jornalística.

Tornar Comum: Sabemos que uma pesquisa é sempre complexa, envolvendo, às vezes, muitos resultados a partir de reflexões e análises. Mas, no seu estudo, o que você destacaria com o achado principal? E o que mais o surpreendeu no percurso?

Maria Clara Cabral: O principal achado foi perceber como esse jornalismo cultural perde o seu potencial quando se limita a reproduzir uma noção de jornalismo muito rígida ou normas jornalísticas muito inflexíveis, e que já estão sendo questionadas. Por exemplo, com relação à objetividade jornalística nas categorias, até quando a gente vai considerar a objetividade jornalística na prática do mercado como neutralidade? Com imparcialidade? Como é que vamos pensar as relações culturais, as produções culturais num território sem pensar em inserir as nossas experiências e vivencias como jornalistas?

Por um lado, o Cidadão Cultura, que vai partir muito das memórias, das percepções desses produtores, não só jornalistas, mas muitos outros perfis de pessoas que escrevem ali no portal. Traz consigo uma cobertura que vai mostrar muito dessas experiências, desses olhares, muito específicos sobre a cidade. Enquanto no Olhar Conceito vamos ter um excesso de fontes oficiais, muitas declarações, do prefeito de Cuiabá, e políticos que naquele momento, são gestores, mas não são necessariamente atores diretos de uma cadeia produtiva da cultura, ou que estão produzindo simbolicamente cultura em Cuiabá.

Nessa reprodução de um jornalismo muito rígido, por exemplo, a maneira como nenhum dos dois veículos se apropria do ambiente digital, do ambiente online para suas coberturas é uma transposição do formato analógico, para o digital. E isso pode se dar por várias questões, por opção, por rotina produtiva. Vamos ver muitos indícios de precarização nessas coberturas, seja no Cidadão Cultura, nessa escolha, de se pautar nas memórias de experiências pessoais, talvez por não ter colaboradores dedicados exclusivamente a ir para a rua fazer apurações nos moldes jornalísticos que a gente conhece. E no caso do Olhar Conceito, dentro desse contexto, de um jornalismo mais comercial, mais tradicional de focar mais na produtividade do que na profundidade dessas produções. Então, vale mais a quantidade de matérias publicadas, do que a qualidade delas.

Tornar Comum: O PPGCOM possui uma área de concentração que se propõe a analisar as relações entre a comunicação e o poder em suas múltiplas vertentes. Como você entende que a sua pesquisa contribui com a área de concentração do Programa?

Maria Clara Cabral: Eu acho que a pesquisa contribui diretamente com o estudo da comunicação em poder. Então passo a buscar essas relações de poder no jornalismo. Por exemplo, quando estamos pensando, a seleção de fontes, queremos saber que pessoas e que vozes são acionadas para falar sobre cultura cuiabana? Sobre Cuiabá e esses 300 anos de história. Então quando selecionamos determinadas fontes, estamos legitimando-as. São oficiais? do poder público? Políticos? São notáveis? Institucionais? Populares? São os próprios jornalistas que estão falando sobre os 300 anos de Cuiabá? Isso vai aparecer no Cidadão Cultura. Então, que vozes estão sendo legitimadas? Estão pensando nas relações de poder? É a mesma coisa, quando pensamos as territorialidades, como as relações de poder que permeiam essa apropriação dos territórios é Isso, inclusive, no conteúdo dessas coberturas, que territórios são acionados, que Cuiabá foi essa? É uma cultura que se dá no centro histórico que está nos bairros, e nas periferias de Cuiabá. Então tudo foi pensado nessa relação de poder.

Tornar Comum: Você faz parte do grupo dos primeiros mestres em Comunicação da UFMT. Que significado isso tem para você e o que você diria a quem pretende fazer pesquisa em Comunicação a partir do PPGCOM?

Maria Clara Cabral: Eu não considero um privilégio, porque não deveria ser, mas sim, eu fico muito honrada, porque acredito que quem está inserido no programa consegue perceber isso, as pessoas vão começar a perceber, os profissionais de comunicação vão começar a notar também, a importância de um espaço de pesquisa voltado para a comunicação em Mato Grosso. Ter um programa no estado de pós-graduação oportuniza comunicadores profissionais de todo o estado, pois eu acho que estamos muito carentes de espaço, de reflexões, de questionamentos. Porque assim como o jornalismo na minha concepção. E isso é o que eu tirei de todo esse estudo. Tem essa função de desnaturalizar umas coisas que estão naturalizadas para informar. A pesquisa também.

O que eu diria para as pessoas que pensam em fazer um mestrado, é o quanto o processo de pesquisa é importante para a vida. Não só para iniciar uma carreira acadêmica ou para se aperfeiçoar no mercado, mas para conseguir compreender sua necessidade. Por mais que haja um objeto de pesquisa ou estudo, esse conhecimento se aplica a qualquer lugar, independentemente de ser em Mato Grosso. O Programa PPGCOM é um marco para a comunicação de Mato Grosso e essas primeiras defesas são um marco também, poder trazer essas experiências, ainda que bem poucas, comparado com profissionais que estão de fora, com experiências diversas e de anos, é muito importante. Muito legal.

O impacto que o programa vai ter na formação de novos profissionais da comunicação é outra realidade, é um espaço. E a importância que o programa tem para os profissionais de comunicação da região, apesar de não estar restrito só a esses profissionais, dá a oportunidade de se tornarem referências nos estudos e na prática da comunicação.

 

Esta entrevista foi realizada pela estudante do curso de graduação em Jornalismo Mayara Correia e editado por Safira Campos, mestranda do PPGCOM. Fotografia: André Macedo.

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